Maria e o Som
Maria tinha os olhos grandes e escuros. Tão escuros que as pessoas diziam que tudo para ela era noite. O cabelo ninguém sabia da sua cor e tamanho. Usava sempre, fizesse sol ou chuva, frio ou calor um chapéu com uma fita azul. Não se conhecia data em que o tirasse da cabeça. Havia quem dissesse que não o tirava nem para dormir e que já nascera com ele. Recheava um vestido azul e calçava uns sapatos com sola de cortiça. Afirmava que com a sola de cortiça podia flutuar melhor.
Um dia, vindo de uma aldeia próxima, chegou um rapaz, de nome Tonito, que, ao vê-la tisnada sob o seu chapéu, lhe ofereceu um chapéu novo e insistiu para que o pusesse. Maria disse que o fazia com a condição de ele se casar com ela. Tonito, perplexo, aceitou sem se dar conta.
Na primeira noite Tonito pediu-lhe que cumprisse o prometido. Ela assim fez. Tirou os sapatos de sola de cortiça, alisou o vestido azul com a ponta dos dedos e com as mesmas pontas dos dedos retirou o seu velho chapéu da cabeça. Tonito, aparvasmado, saiu porta fora gritando e batendo a todas as portas da vila contando em gritos mudos o que o espantavilhara. Ninguém o ouvia. Tonito tinha perdido o som. Nada do que fazia emitia som. A sua respiração não se ouvia. Nem mesmo o bater do coração barulhava. Apenas Maria ouvia o som de Tonito."
Daniel.1995